sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Rogaciano Leite, um soneto e um cordel feito de improviso

Belo soneto de Rogaciano Leite, escrito de improviso numa mesa de bar no Recife, na véspera de Natal do ano de 1953. O tema: "Na noite santa em que nasceu Jesus", foi dado pelo  folclorista Aleixo Leite Filho (Leci).  

Belo soneto de Rogaciano Leite, escrito de improviso numa mesa de bar no Recife, na véspera de Natal do ano de 1953. O tema: "Na noite santa em que nasceu Jesus", foi dado pelo  folclorista Aleixo Leite Filho (Leci).  


Bebo. E, bebendo pela vida afora
Esqueço-me das mágoas torturantes
De hora em hora, de instantes em instantes,
De instantes, em instantes, de hora em hora.

Vejo as visões que já não tenho agora,
Visões e outrora que já vão distante.
São fantasmas de amor extravagantes,
Extravagantes ilusões de outrora.

Bebo. E ninguém me culpe desse vício;
Se eu rolar, ou tombar no precipício,
Conduzirei, sozinho, a minha cruz.

Porém, jamais, embora frente à taça
Me esquecerei do amor, da luz, da graça,
Na noite santa em que nasceu Jesus.


Do livro, “Rogaciano Leite – do Cordel ao Erudito” do egipciense Paulo Cardoso, retiramos o poema-carta, feito de improviso por Rogaciano Leite, no qual o poeta faz jocosa cobrança de seus justos honorários por matérias publicadas em determinado jornal.

“São Paulo, 3 de janeiro

Do ano que vai passando.

Meu amigo Alcides Lopes
Ponha ao lado os envelopes
E vá logo me escutando:
Desejo para o amigo
Um ano novo feliz
Cheio de tanta ventura
Que um verso escrito não diz.

Quero que a vida sorria
Que goze muita saúde
Que ganhe bastante dinheiro
Que Deus na terra o ajude.

Mas, escute, velho amigo,
O que eu lhe quero dizer:
Já não tenho o que fazer
Com “seu” doutor Marroquim,
Pois na sua vida boa,
Nunca se lembra de mim.

Desde janeiro passado
Que o jornal tem publicado
As produções que remeto...
E enquanto isso se publica
O poeta velho aqui fica
Cansado, chupando o dedo...

Vinte produções mandadas
Foram aí publicadas
Até com fotografias...
E enquanto eu gasto em retratos,
Vejo (ai senhores ingratos)
Minhas “gibeiras” vazias.

O Marroquim permanece
(Como quem faz uma prece)
Com a sua alma “polar”
Frio, indiferente, farto,
E eu aqui em meu quarto
Morrendo de trabalhar!

“Seu” Alcides, ouça, acorde,
A quebradeira me morde,
Não posso ficar assim!
Para não levar-me à breca,
Peça a Leitão, o careca
Que ele se lembre e mim.

Diga-lhe que o poeta sofre
Que ele abra esse velho cofre
Onde o dinheiro faz ninho
E mande-me algumas pratas
Pra eu gastar com as mulatas
Ou... com um copo de vinho!

Peça a “nota” ao Marroquim
E sapeque para mim
Um cheque de lá pra cá
A vida aqui é espeto!
E nas farras que eu me meto
Coisinha pouca não dá!
(...)

Meu caro Alcides socorra
Este náufrago infeliz!
Não deixe que aqui eu morra
Só esfregando o nariz!

Receba ainda os meus votos
Para um felicíssimo ano!
Remeta o cheque depressa.
Passe bem. Rogaciano.

Fonte: Poeta Pajeuzeiro

Rogaciano Leite

Quando falas porque vivo rindo
Também falas por viver cantando
Se a vida é bela e este mundo é lindo
Não há razão para viver chorando.

Cantar é sempre o que a fazer eu ando
Sorrir é sempre meu prazer infindo
Se canto e rio, é porque vivo amando
Se amo e canto, é porque vivo rindo.

Se o pranto morre quando nasce o canto
Eu canto e rio pra matar o pranto
E gosto muito de quem canta e ri

Logo bem vês por estes dotes meus
Que quando canto estou pensando em Deus
E quando rio estou pensando em ti.

Dois grandes destinos

Ontem, dois grandes destinos
Dois sonhos divinos
Dois alegres ideais
Hoje, dois olhos tristonhos
Duas mortalhas de sonhos
Desilusões, nada mais

Ontem nos nossos passeios
Havia música e enleios
Perfumes, flores e canção
Hoje pela nossa estrada
Resta uma sombra enlutada
Folhas secas, solidão

Ontem a lua furtiva
Testemunha festiva
Nós dois conversando a sós
Hoje, triste e pezarosa
Se escondeu, fugiu de nós

Ontem nossas mãos unidas
Apertavam nossas vidas
Na febre do nosso amor
Hoje distantes e vazias
Apertam nas noites frias
Um nome, um verso e uma flor

Ontem, dois grandes destinos
Dois sonhos divinos
Dois alegres ideais
Hoje, dois olhos tristonhos
Duas mortalhas de sonhos
Desilusões, nada mais
Rogaciano Leite