Eu me chamo Virgulino
Por alcunha Lampião
Sou cangaceiro afamado
Em todo alto sertão
Não levo em conta o inimigo
E não encaro perigo
Estando de arma na mão
Me juntei a Sebastião Pereira
Companheiro de desgraça
Quis queimar o Pajeú
Pra ver subindo a fumaça
Conheci que era valente
Pois Lampião não desmente
O brio da sua raça
A chupeta que carrego
É o rifle e a cartucheira
O leite é bala de chumbo
Muito veloz e certeira
Quem se julga pedra rocha
Venha ver se agüenta brocha
De Virgulino Ferreira
Nesse Pajeú das Flores
Fiz meu centro de ação
Sou senhor absoluto
De todo este sertão
Aqui quem quiser passar
Precisa se apresentar
Licença de Lampião
Quando pensei que podia
O caso estava sem jeito
Vou dar trabalho ao governo
Enfrentar de peito a peito
Vou trocar bala sem receio
Morrendo num tiroteio
Sei que morro satisfeito
Meu mano Antônio Ferreira
Cai na luta sem receio
Livino por sua vez
Não teme combate feio
Gosta de fazer zuada
Mas assombra a macacada
Quando cai no tiroteio
Eu, Antônio e Livino
Andamos pelo sertão
Soldado que nos enfrenta
Dá frio no coração
Porque já sabe que corre
E se for teimoso morre
Vai morar dentro do chão
Por minha infelicidade
Entrei nessa triste vida
Não gosto nem de contar
A minha história sentida
A desgraça enche meu rosto
Em minha alma entra um desgosto
Meu peito é uma ferida.
Quando me lembro senhores
Do meu tempo de inocente
Que brincava nos serrados
Do meu sertão sorridente
Sinto que meu coração
Magoado dessa paixão
Bate e chora amargamente
Cresci na casa paterna
Quis ser um homem de bem
Viver do meu trabalho
Sem ser pesado a ninguém
Fui almocreve na estrada
Fui até bom camarada
E tive amigos também
Tive também meus amores
Cultivei minha paixão
Amei uma flor mimosa
Filha lá do meu sertão
Sonhei em gozar a vida
Bem junto à prenda querida
A quem dei meu coração
Hoje sei que sou bandido
Como todo mundo diz
Porém já fui venturoso
Passei meu tempo feliz
Quando no colo materno
Gozei do carinho terno
De quem tanto bem eu quis
Meu rifle atira cantando
Em compasso assustados
Faz gosto brigar comigo
Por que sou bom cantador
Quando meu rifle trabalha
Minha voz longe se espalha
Zombando do próprio horror
Meu pai, minha mãe querida
Quiseram me ensinar
No seu colo carinhoso
Ela me ensinou a rezar
E a todos respeitar
Ele me ensinou nos campos
Eu menino a trabalhar
Nunca pensei que na vida
Fosse preciso brigar
Apesar de ter intrigas
Gostava de trabalhar
Mas hoje sou cangaceiro
E enfrentarei o balseiro
Até alguém me matar!
- Virgulino Ferreira (1898-1938)